Marcelo Rech
Jornalista Grupo RBS
A
função mais básica de um Estado é fazer o possível para proteger a vida de seus
cidadãos, mas não é o que está ocorrendo no Rio Grande do Sul. Por isonomia
legal, o governo passou uma régua única no parcelamento de salários e, com
isso, aceitou que todas as funções públicas têm o mesmo peso. Não têm. A
segurança é base para se exercer todas as demais atividades e, neste ponto, a
Brigada Militar representa mais que a última linha de defesa para se trabalhar
e viver no Rio Grande: ela se confunde com a moral do Estado.
Ao
ser reconhecida como uma das melhores polícias do Brasil, a BM é um dos
derradeiros motivos de orgulho dos gaúchos. Aqui, a Brigada foi forjada na
força da tradição e do cumprimento do dever. Valores como honra e sacrifício
passam de geração em geração, muitas vezes herdados de pais e avôs brigadianos.
Em alguns Estados do Brasil, se a PM entrasse em greve de verdade, é provável
que a criminalidade caísse. No Rio Grande do Sul, a qualidade da seleção e
formação dos oficiais se transfere até a base, e a corporação expurga os
desvios de conduta em rituais bem mais rígidos que a triste realidade nacional.
No
entanto, esta história de 178 anos está em xeque agora. Uma força armada pode
sofrer restrições, mas não pode ser desmoralizada — nem no Egito, na Venezuela
ou na Suécia. O atraso no soldo solapa a hierarquia e a disciplina, base das
organizações militares. A corrupção e a desordem tendem a se tornar crônicas,
degradando toda a corporação. Na BM, a recusa em cumprir uma determinação
deveria ser punida com prisão, e um protesto, tratado como motim. No entanto,
os comandantes estão compreensivelmente constrangidos, sensíveis ao fato de que
a exigência mínima da contrapartida de um homem ou mulher que põe sua vida em
risco pelos outros todo dia é estômago cheio e salário no banco.
A
humilhação da polícia abre um vácuo na sociedade que afeta a todos, servidores
e suas famílias ou não. Mas em segurança não há vazio. É como se cavar um
buraco na água: algo ocupa o lugar. No caso gaúcho, veremos cada vez mais, de um
lado, traficantes mantendo a ordem em territórios dominados e, de outro,
linchamentos e milícias de autodefesa se armando contra os bandidos. Ainda não
chegamos a um ponto de não-retorno, mas estamos a caminho. Para o bem de todos
os gaúchos, ou os poderes públicos e a sociedade salvam a BM ou não haverá
muito mais o que salvar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários são de inteira responsabilidade do leitor e não representam a opinião do Blog